quarta-feira, 26 de outubro de 2011


"O meu amor por você é solteiro. Vagabundo. Sorrateiro. É Silêncio e sossego. Tormenta e arrego. É um amor que gosta. Um amor que goza. Um amor que não pede, não chama, não suplica, não reclama. Meu amor por você não tem engano. É um amor que ama a sua parte porque ama fazer arte.  É um amor que segue, não se repete e não se desfaz. É um amor que entende, se estende, alinha a mente e não mente.  Se apaixona pelo que sente. Da primeira a centésima vez. É a voz que prende, adestra os sentidos, aflora a emoção. Planta o doce olhar e colhe o malicioso sorriso. É o amor que me deixa à vontade e com vontade. Não me deixa enjoar de mim, não me faz cansar de você. Nunca é tempo demais, nem tempo perdido. Não se esbarra no que é exigido. És o único que com as mãos me toca a alma. E com a alma toca o mundo. O meu amor por você é simples. É do tamanho que tem. Não tem idade, nem preço, nem cidade. Por si só é existente. E de toda forma é persistente. Quero ter esse amor, frequentemente. O seu amor por mim é seu. E o meu amor por você é meu."

domingo, 24 de outubro de 2010

SÓ AQUELE QUE É O OUTRO NOS MOSTRA COMO NÓS SOMOS

CHARLES E ANA SE ENCONTRARAM PELA PRIMEIRA VEZ EM UM DESCAMPADO TERRENO BALDIO COM VISTA PARA O PÔR-DO-SOL. ELE E O AMIGO DANTE JÁ ESTAVAM A CONTEMPLAR O ESPETÁCULO DA NATUREZA QUANDO ANA E AS AMIGAS DANUZA E LELETE CHEGARAM. ELAS CONHECIAM DANTE DA CIDADE. SE APROXIMARAM DOS RAPAZES. CUMPRIMENTARAM-SE E DANTE APRESENTOU À ELAS, O AMIGO, O CARA COM O NOME DE CHARLES. NESTE INSTANTE, OS OLHARES DE DANTE E ANA SE CRUZARAM.  NESTE MOMENTO JÁ ESTAVAM ENVIANDO SINAIS CELESTIAIS UM PARA O OUTRO. ANA PAROU DE OUVIR O QUE DIZIAM SUAS AMIGAS PARA ESCUTAR APENAS OS SINAIS EMITIDOS POR CHARLES. ELE NÃO DISSE NADA. FICARAM POR ALGUNS SEGUNDOS SE ENTREOLHANDO E DESCONCERTADOS VOLTARAM A MIRAR AO PÔR-DO-SOL, QUE SE PUNHA. DANTE PERCEBEU AS REAÇÕES DO AMIGO E FEZ SINAL PARA ELE. QUERIA IR EMBORA. IMÓVEL O RAPAZ NÃO SAIU DO LUGAR E ANA QUE A ESTA ALTURA TAMBÉM JÁ ESTAVA ESTÁTICA NÃO DISSE UMA PALAVRA. SEGUNDOS DEPOIS, AS AMIGAS DE ANA ENTRARAM NO CARRO  E CHAMARAM POR ELA. CHARLES CONSEGUIU DIZER ALGUMA COISA MAS ANA NÃO ESCUTOU. TUDO O QUE VIU FOI OS LÁBIOS DO RAPAZ SE MEXENDO APONTADOS PARA ELA: VOCÊ TEM TELEFONE?
ANA FEZ QUE SIM COM A CABEÇA. E CHARLES EMENDOU: ENTÃO VENDE E FAZ UMA PLÁSTICA.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Mais uma chance

Acenou de longe para a emoção, pagou sua passagem e a mandou pra bem longe. Queria descanso das tormentas, deduções e suposições. Atuações mal-feitas. Quem manda amar mergulhada.

Eram amigas. Deixava ela tomar conta, tomar de si seus pertences, aniquilar a razão, traí-la, bofeteá-la por que sempre lhe fora prazeiroso. Quanta disposição para cantar e entender as letras de músicas e filmes românticos. Lia bem, livros e pessoas. Dava nó em seus medos, as dores chatas que tinha, fazia rir e chorar por gosto. Sentia alegria e tristeza.

Depois brigaram. Deixou que tomasse seu rumo. Vá lá, pra bem longe de mim, disse ela para a emoção. Caia no mundo, se encontre em outras esquinas e faça seu carnaval em outros blocos. Coloque suas fantasias na mala e fique do outro lado do mundo nas próximas quatro estações do ano ou até quando eu quiser que fique. Queria tranquilidade e ela a perturbava. Queria concentração e ela a distraía. Queria ficar sozinha e a emoção queria gosto, gente, tato, colo. Fica a arrancando de si mesma e lá fora chove e faz frio e o seu calor é pacífico e está cabendo perfeitamente dentro dela. E aí ela vem, a chamando de egoísta por preferir a razão ao invés dela. E ela diz que não, que é a emoção que é espaçosa demais e titubeia e mete os pés pelas mãos e todas às vezes que lhe dá trela, seja pela imensidão e pelo tamanho e a altura que tem, a faz perder as rédeas e as estribeiras.

Se afaste para que eu possa ter o controle de volta, ela dizia à emoção. Sei que a vida fica sem graça sem você por perto...  Com a razão tudo fica mais claro, sério e objetivo. A mandou embora e ela se foi. Em alguns momentos sentiu falta. Sabia que se a emoção  estivesse por perto, especialmente em certas ocasiões, teria sido diferente. Talvez tivesse sido mais leve e teria deixado fluir de outra maneira. Enquanto isso, a razão se esbaldava. Com espaço de sobra para ela, colocou as mangas de fora. A razão lhe arrancava o sono. E na ausência da emoção, escrevia pouco. Tudo o que fez foi olhar para as coisas e as pessoas ao seu redor com a razão batendo na cachola a querer controlar tudo. Chato. Ficou tudo bem chato. E ela foi- se achatando, se comprimindo, se ligando em coisas que com o seu olhar técnico quase não via as formas. Tampouco a estrutura. Via curto. Não enxergava além.

E quando em um momento crucial a emoção resolvera aparecer, ficou de longe, espiando. Fez sinal pra razão e ficou à espreita. Se aproximou devagar e disse à ela sussurrando: agora você está vulnerável e por isso precisa de mim...
Mesmo assim, nada fez. Deixou todo o serviço por conta da razão.

Naquele momento chegou a pensar: o que é que a emoção veio fazer aqui? Justo agora, no meio da noite depois de 5 doses de Mojito. Porque não viera pela manhã quando eu ainda estava calma e encastelada. Veio sem mala, disse a si mesma, observando. Ainda bem! Já sabe que não fica por muito tempo... E neste instante, a emoção se aproxima e lhe faz a pergunta: Será que podemos fazer um trato? Ela imediatamente responde: Você vem só quando eu chamar? 

- Não, disse de prontidão a emoção para ela.
-  Eu sei que você não aceita esse trato, respondeu ela.
- Sugiro meio a meio, ela insiste. As duas vão ter direitos,  emoção e razão. Agora é com vocês, entrem num acordo e joguem limpo uma com a outra. Temos que levar em consideração que ambas têm potencial, cada qual em seu lugar.
- Você não é nada sem mim, responde a emoção. Meus direitos são maiores que o dela.
- Nada disso, discordou a razão. Ela passou muito bem sem você.
Neste momento, ela interrompe a tentativa de acordo entre as partes retrucando:
 - Ôh emoção, escuta bem: nada de ficar protegendo a paixão, heim? Você fica dando mole. A razão sabe bem do que eu estou falando...já  me conhece e sabe do que eu preciso! E sem essa de intuição. Lembra dela? Então, aproveita pra fazer uma visita por lá, deve estar cheia de novidades pra contar depois dessa viagem. E veja bem o que é que vai fazer com o amor! Deixa ele bem quieto por enquanto, mas não esquece que ele existe senão eu não aguento o tranco. E se for mexer com ele me avise com antecedência, nada de me pegar desprevenida! Me dizer que não deu tempo, foi muito corrido e aconteceu... Não quero ver a razão rindo da minha cara.

E agora me deixe em paz, vou te dar mais uma chance e pronto. Pegue suas coisas, desfaça as malas porque eu preciso escrever.
As duas se entreolharam, razão e emoção e a razão diz: já que você fica, eu saio. Mas deixo uma recomendação: dessa vez, sem drama.
E a emoção responde: deixa comigo, comédia a gente faz bem!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009


Validade
Quem disse que todo amor é feito pra durar?
Quem foi que disse que só porque é amor os dois teem que ficar juntos.
Isso a gente deixa para os filmes e o público torcer para o The end feliz.
Existem histórias que tem tudo pra dar certo. Os dois se gostam, a química é boa, poderiam ter sucesso profissional juntos, ou em setores diferentes. A turma de um bate com a turma do outro. Os dois tem grana pra sair por ai, viajarem, divertirem-se. Mais um casal que se deu bem e está junto até hoje.
Acontece que algumas pessoas aparecem na vida uma das outras, justamente porque apareceram e um dia desaparecerão. É como se uma das partes estivesse incubida a causar a sensação que você não sentiria por quem você normalmente ficaria bem e junto até hoje. Então ela vem, a pessoa, dá uma alterada "básica" na química do seu cérebro , te deixa um pouco viciada nela, um pouco não...por algum tempo e depois você já pode se recompor, ganhar de volta o controle de tudo e ser como antes. Aquele ser, de antes, tá lembrado? Não. Você não quer voltar a ser aquele ser de antes.
Você quer aquele " Oiii tudo bom??? você aqui??" ajeitando o cabelo. E não "oi tudo bom como é que você tá. Deixa eu ir que eu tô com pressa" e cabelos do jeito que estão.

Foi falta de terem feito e desejado coisas para os dois. Mas ao invés disso, ficaram presos com seus temores, dúvidas, suposições, falta de tempo e de vontade mesmo. A merda da dúvida, dos temores, das suposições e do tempo e da vontade que formam nuvens em cima da cabeça lamentando por antecipação que o futuro não será aliado a esta conquista.
É como se você quisesse que fosse o que você sempre quis, mas não quisesse tanto e já soubesse que não será.
Então você se envolve do mesmo jeito, esmurra a dúvida, dá um chute no traseiro do medo e rasteira as suposições e pede que o tempo se dane e encara a vontade mesmo não sendo muita.
E faz uma porção de coisas ridículas. Entrega sem terem pedido encomenda. Cruza a perna na hora de abrir. Devolve o sermão. Encara com o olhar torto. Não liga, não atende. Fala o que vem a cabeça. Bate a porta do carro com força, esquece de passear com o cachorro, desmarca a viagem...

Mesmo sabendo que podia não fazer nada disso e mesmo assim não dar em nada.
Mas deu. É o tempo x que dá pra você viver isso com o ser y.
Bate a intuição de fazer a coisa errada mesmo sabendo que podia fazer a coisa certa.
Pra não nos decepcionarmos 100%, caímos nas armadilhas dos 50, dos 70 e deixamos assim.
O boicote é rápido e fácil. Não sabendo para onde estamos indo permanecemos lúcidos no mesmo lugar. Recusando a ser vítima de um suposto " pode não dar certo", e se " parar de funcionar", ou "será que quero tanto?"
E ai ficamos com o que não temos pra termos o que ter.
Disperdiçando sentimentos de agora, dispersando vontades recentes, subjulgando que essas vontades renasçam no amanhã. Porque? Por um acaso não vamos deixar de tê-las?
Imprimimos garantias do querer apenas com algumas pessoas. Como?
Podemos com elas, nada construir, em termos de solidez, de união estável. Mas o que sabemos é que a cada vez em que elas atravessam o nosso caminho, o querer ressurge de onde nasceu. Vivemos com essas pessoas, dias contatos. Talvez por que não suportaríamos tamanha magia, tanto encantamento. A realidade nua e crua do dia a dia os achataria. Os dias contatos são as tentativas de equilibrar o que pode ser, com o que seria. Normalidade com supremacia. Realidade com suposição. Prevendo incompatibilidades, distraindo vontades, priorizando outros focos.
E por enquanto, quando é bom, tem que ser bom sempre. E nem tudo pode ser bom sempre. Só de vez em quando. Porque só de vez em quando que vai ser bom sempre.

É por isso que de vez em quando é o tempo certo de acontecer.
E ai você quer mais e esse mais não chega. E ai você para de querer. Depois de um tempo você volta a querer de novo porque de novo acaba acontecendo. São adiações do prazer. Pra fazê-lo aumentar e não ser saciado completamente. Essa é a graça que encontram aqueles que nada podem determinar. Se é amor? Não. É uma sensação causada no instante presente que vem da presença de um que passa pra presença do outro, e sim é bom o que sentem, e sim é muito válido sempre, e sim desaparece na manhã seguinte pois os corpos desocupam o espaço e levaram consigo só a troca eminente. Quem torce por eles? Algo bem menos elevado que o amor. Mas algo bem mais cliché que fim de filme romântico.
Pode ser um querer perto e conseguir viver longe. E em nada rotular por não ter status.
Pode ser só mesmo um "acontecer eventual" que te tira da rotina.
Afinidade, tesão, amizade colorida.
Sem tempo pra durar, sem prazo de validade.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Completa aí

Disse Ezra Pound "artistas são antenas da raça humana. São percebedores profissionais, gente que capta: as máscaras e o cerne das coisas da vida".

Artistas são pessoas que enxergam o comum com outros olhos. Veem no cotidiano a oportunidade de transformar tolices, banalidades, manias, tragédias, antecipações, discursos, diálogos repetitivos ou instigantes, fatos em obra. Cada qual ao seu mundo, com a obra que lhe cabe.

Escritores precisam entender de gente. De sentimentos, de emoções, de libido, precisa entender como o ser humano se expressa, se divide, se mata, renasce, descobre, ignora, desconfia, sobrevive, interage, comunica, trai, mente, entrega, desconstrói, ama, desama, necessita, amargura, inutiliza... Precisa entender de cenários constantes, pano de fundo de todo dia-dia, precisam se locomover, se movimentar, deitar sob suas incertezas, levantar-se pelas verdades que acreditam, pela fé, pelo amor que ainda desconhece dentro de si mesmo e por todas as buscas que ainda irá encontrar. E o quanto doa seus sentimentos a vários ao mesmo tempo. Ele precisa ter ouvido para a música que ajudará a vibrar sua estória.

Precisa tomar um gole de cada personagem que está construindo, se passar por louco, ser o último dos nerds, um serial killer ou um amante à moda antiga. Sem identidade, com personalidade forte. Hã????

Tem que ser capaz de mergulhar em mundos diversos, diferentes do dele. E entender de gosto, de cores, vestimentas colocadas e retiradas para a nudez da beleza natural e despida de si.

Precisa ver nuances e enxergar além do que é visto pela maioria ou mesmo a pequena minoria. Precisa ser capaz de entrar na pele do outro e conduzir-se a outra mente, procurando desvendá-la ainda que a medida de sua própria visão, os temores semelhantes e encorajá-los a fala e à releitura da linguagem que enfim possa fazer melhor como tomaria coragem consigo mesmo a encarar também suas tantas dores, delícias e alegrias que ora compartilhamos outrora desconstituímos.

Um escritor precisa saber olhar. Como se seus olhos, fosse a câmera a captar ângulos imprescindíveis, gestos que revelam silenciosamente uma intenção. Que saiba identificar o poder da fala no instante em que ela se ausenta ou cresce e como quem não quer nada, mostra suas garras. É também aquele que enquanto pensa, capta, entende, imagina, digita, sente, encontra soluções, ri de si mesmo, dramatiza com o outro, ou simplesmente dramatiza, lhe ataca, se defende, fere e encanta. E tenta aproximar-se ao máximo da verdade, da pureza, do tom, do que não está evidente e de esconderijos e armadilhas colocadas pelo trabalhar natural da mente e da indução e redescobrimento dos acontecimentos. Precisa ter certo contato com a psicologia. Precisa entender da história de sua própria vida para que intensamente possa mergulhar na profundidade das histórias que lê, que escuta, que vê.

Precisa sentir e se emocionar muito mais do que as outras pessoas normalmente sentiriam.

Precisa sair do supérfluo, se esquivar de mediocridades, aniquilar futilidades. Para que não seja consumido demais por coisas.

Entender que ter é só o que se adquire e ser é jogar-se no abismo. Arriscar-se às escuras, ao desconhecido, ao que ainda não foi estipulado nem totalmente consumado anteriormente.

E precisa entender da força dos acontecimentos para que saiba o ápice do que ocorreu. E então saiba escolher. Por onde começar, como prosseguir e quando terminar.

Que saiba a importância das relevantes perguntas e questione sempre e quantas vezes puder. E não se contente com respostas mal dadas. Nem com a contenção do próprio contentamento.

Que saiba identificar forças, inteligências, potenciais. E acredite nas suas.

E que enfim forme parcerias adequadas, pois não poderá expressar sozinho todas as artes tão próximas e interligadas a sua obra. E conheça o seu lugar, tão vasto mundo mas seja flexível a tantos outros possíveis.

E enquanto não puder colocar sua obra original, sem interferência democrática ou hipócrita em jogo, em vida, que ainda assim, a faça com alma e amor. Pois em suas entranhas reside a satisfação em contribuir com o todo, a parte que lhe cabe neste latifúndio.



sexta-feira, 27 de novembro de 2009

“ é preciso que você venha nesse exato momento. abandone os antes. chame do que quiser. mas venha. quero dividir meus erros, loucuras, beijos, chocolates… apague minhas interrogações. por que estamos tão perto e tão longe? quero acabar com as leis da física, dois corpos ocuparem o mesmo lugar. não nego. tenho um grande medo de ser sozinha. não sou pedaço. mas não me basto."
Caio fernando abreu

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Gido
Cancela o beijo. Tira o cotovelo de cima da mesa que eu pago a conta.
Mal termina a pastinha de ervas com torradas secas e acende o cigarro.
Garçon chato esse, veio dizer pra apagar. As janelas fazem frente e vejo o vidro. Olha a imagem e semelhança. Até que se parece comigo. Sorriso torto. Faz jeito de charme enquanto se pilha.
Olha nas unhas, sem jeito gay. Voz firme. Falava-se da lentidão do serviço. Isso que Gido tinha sempre o que dizer. Vazias birras em detrimento de seus mesmos desgostos. Coisa pouca.

Caneta emprestada sempre. Não podia ver um guardanapo em branco. A necessidade para com as palavras lhe remetem articularidades que não calam nunca. Deve ser Everesto que está sempre com ele. Dimensão maior que si mesmo. Quando não está ensimesmado. Debruça a face nas mãos enquanto melindra as palavras que lhe caem bem hoje, bem mais que nos anos de primavera-verão-sol-quente-com-chuva, em tardes no leblon, que eu me recorde. Um chop por favor, que é pra não fechar o cliclo dessa conversa fiada que a gente bate e espeta com o garfo a picanha. Cebola demais. Cancelo o beijo. Nos dentes dele a ervinha que restou da torrada seca.
Tira a cestinha de pães da mesa, solicito. Ele fuma por debaixo da mesa. Seria bom a fumaça esconder-se no momento tão ímpio. Entre um e outro cintilar das pálpebras e a cada vez que nada me deixa falar e pronunciar, em vão, faço uma automática percepção da mistura de seus palavriados com a extensão do que por detrás diz e se revela e concentro, tentando abominar o que não acredito e começo a concluir o que não gostaria e mais uma vez, cancelo o beijo. Lembro então das fitas de Lauro Trevisan: pense positivo. E troco positivo por diferente na minha cabeça e vem o filme da apple transcrito.
Não seguro o pensamento e não digiro o que ouço.
E ele volta a lembrar das torradas procurando-as sob a mesa. Pedi que tirassem, repiquo. A picanha gelou, as cebolas não estavam no ponto. O beijo agora, está mais que cancelado.
Passa-me então, o guardanapo escrito. Entre aspas leio: o presunto que pende dos pães lhe parece obsceno.

Nada mais excitante, penso. O que tem a ver o presunto com as torradas de ervas, com a picanha e com esse piquenique filosófico todo, que estou sendo egoísticamente obrigada a ouvir e que de obsceno não tem nada. Logo em seguida verbalizo: O que pode ser mais excitante?
E lá vem ele com as vírgulas. Se não entendeu, posso explicar.

Imediatamente, pouso a cabeça nas mãos. E penso: é você o presunto, pode ter certeza disso...
Cavou a própria sepultura e ainda não se deu conta.
Faço sinal pedindo a conta enquanto ouço a sinfonia dos pães em clássica oratória extendendo-se a salames, peito de perus e parma. Vou engolindo todos eles, sem sentir o gosto. Muda e ocultamente. E ouço: mais um chop, por favor - vindo de sua boca.
Cancelo o assunto, limpo a boca no guardanapo do presunto, acendo o cigarro e já saí.

terça-feira, 27 de outubro de 2009


Beijo, me liga.
Depois de cinco horas no telefone e o frio na barriga insuportável, decidiu. Tem que ser amanhã.
Daniel mal podia esperar pra ver de perto o que sentiu na linha. Quando duas pessoas conversam por telefone como se estivessem a um passo de si mesmas, aí vem. Tudo o que tinha de curiosidade a saber de Lohane, Daniel perguntou. Haviam se encontrado uma só vez. Um encontro bobo, desses que finaliza em beijo pela não contenção do momento. Química boa, funcionando. Lohane sentiu ali, no momento do encontro bobo, vontade de tudo com ele. Se tivesse um lugar onde o dia de amanhã não separasse, ela iria. Sem o por vir pra estragar. Ficariam horas e dias inteiros com tempo de sobra a investigar cada parte do corpo de cada um. Cada raciocínio. A batida do coração. Arrepios. Cheios de vontade, não sobraria tempo pra não tê-la.

Mas a noite acabou. Cada um pro seu quadrado e foi ela, Lohane quem pegou o número dele. Tempinhos depois, foi então que esse telefonema de cinco horas, ocorreu. Tem que ser amanhã. Mal podia esperar pra ver de perto o que sentiu na linha.

O que você faria, se sentisse frio na barriga, só de falar ao telefone com uma pessoa que você mal conhece e que só provou do beijo. E pior, se na mesma hora que você sentisse, ele também dissesse que sentiu. Só que ele verbaliza isso primeiro e você só verbaliza depois dele ter verbalizado. O que eu faria, foi o que ela fez. Se encontrar com ele. Mas ao invés de propor um encontro seguro, onde pudessem mais se conhecerem que se tocarem. Lohane rendeu-se. O perigo das quatro paredes. E lá estava ele tocando a campainha de sua casa. Daniel suava e Lohane sentia o calor passar pra ela. Colocou-o pra dentro. Respiraram um pouco, tentaram se comportar. A má notícia é que ela estava sozinha em casa. Sentia seu toque de longe. No vão entre o toque tocado e os próximos que viriam. Quando nela pegava, as mãos conversavam com o corpo. Era a conversa do telefone que ali estava viva. A prática da teoria. E no instante o motivo pra se encostarem. Os olhos de desejo. O bambear das pernas. De novo, o frio insuportável na barriga. Disparate. Lábios úmidos. Sede.

O que você faria se sentisse vontade de entrar dentro de uma pessoa. E quando todo o seu corpo colado com o dela, não é ainda o suficiente. O que você faz, quando vê na sua frente a boca que quer beijar. Quando abre os olhos e são os olhos que você quer que te vejam. Sedento. Cedendo da mesma vontade que a sua. Lohane baixou a guarda. Retirando do pensamento qualquer coisa que a impedisse de estar ali. Não pensou no depois. Não pensou em nada. Deixando o calor do corpo ir para onde quisesse. O que fez com que fizessem o que queriam fazer.

Naquele dia, queria se entregar para ele e ele estava ali para abrí-la. Soube chegar, soube fazer. A última coisa que ela queria é que ele fosse embora. O que você faria, se estivesse com o Daniel em 4 paredes e fosse esse o momento mais momento de todos os outros momentos e não quisesse que acabasse. Contaria pra ele que ele era exatamente o que ela queria pra ela? Todos esses anos. Ele aconteceu. O Daniel aconteceu na vida de Lohane. As pessoas são assim. Acontecem umas na vida das outras. Foi acontecendo até que um dia, parou de acontecer.

Ele acontecia muito na casa dela. Acontecia em festas. Acontecia eventual, casual e esporadicamente. Acontecia do jeito que tinha que acontecer porque Lohane não fazia a frente das coisas. Dos acontecimentos. E pra falar verdade, precisa de um pito. Deixava pra ele. Por ele. Com ele. Não dizia o que queria. O que gostava. Se gostava e se queria. Não pensou no depois. Não pensou em nada. O que fez com que fizessem o que queriam fazer. Davam tempo demais um pro outro. Daniel solto de um lado. Lohane livre de outro. E toda vez que queriam, acontecia o que queriam que acontecesse como sempre fizeram o que queriam, acontecer.

Ela sempre soube o que Daniel queria. Só não deixava que soubesse o quanto queria. Como queria. Já Daniel imaginava o que Lohane queria. E deixava que soubesse o quanto queria. Mas como queria, ela nunca quis saber. Talvez por imaginar que ele quisesse o que ela não queria. Talvez porque soubesse que o que ele queria não era a mesma coisa que ela queria.

Então um contou pro outro. Toda vez que ela despedia-se dele pensava consigo mesma: como o quero por perto. Como quero que ele não parta. Mas fique. Que possa ficar e não partir. Que eu possa querer e saber o quanto ele quer. Que saiba o quanto quero.
Até que um dia ele disse: te quero por perto. Presumindo que enfim queriam a mesma coisa.
Por nada hesitou em dizer o mesmo. Mas continuou sem saber o quanto ele queria. O quanto desse perto é perto mesmo. E o quanto desse querer, é querer muito.

E aconteceu de acontecerem desvios circunstanciais. Que esbarram na força do querer a cada próxima circunstância e ficam entre o que aconteceu e o que pode acontecer. No querer que queria e no querer que quererás. Entre um silêncio e outro. Em uma porta que se fecha e outra que se abre. Em meio a tempestades e dias claros de sol. Entre uma coisa pela metade e outra que se encerra. Entre o motivo do passado e a insegurança do futuro. No querer estático e na vontade móvel. Na teoria das palavras e na prática dos corpos.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009



Garoto de Ipanema

Aplausos. Ao moreno, alto e bonito que desvia a atenção do pôr-do-sol de ipanema.
Suspiros à sunga branca. Fazendo babar homens e mulheres. Homens e mulheres.
A medida certa. Bíceps, tríceps, abdômen. De costas a pernas e glúteos e pele e rosto e cabelo. Em perfeita harmonia. Deus do céu, desça pra ver esse moço passar.

Pescoços virados acompanham os movimentos da criatura que deixa suas pegadas na areia. Fizeram a fôrma e jogaram fora. Estão todos com torcicolo.

Tem nome? Gritou um amigo. 
Escutou. Olhou pra trás. Veio vindo em nossa direção. Congelei. Afundar na cadeira, era pouco. Enrolar-se na canga? Não. Levantar, sair pra dar uma voltinha até o sorveteiro... e perder o espetáculo?

Sorridente ele foi simpático. Corajoso. Pagou pra ver, o que queriam as cinco pessoas enfileiradas fazendo banca pra ele. O júri foi ao delírio. Fico Calada.

O som vinha crescendo do outro lado da praia. Ele, descontraído convida pra ver o que é. Levantando todos ao mesmo tempo. Abandonando cadeiras e resguardo. Foi tempo de pegar havaianas e bolsas.

Showzinho à parte. Nas areias da praia fazíamos volta ao deus de ébano em meio ao fundo musical da roda de samba. Estonteante. Bola batendo na coxa e ual, músculos saltitantes. Palmas ao abdômem que trinca ao levantar dos calcanhares. Vai lá, menino do Rio, joga uma altinha pra gente segurar o queixo. Mergulha no mar pra levar embora o suor escorrido. Em caso de afogamento, viro salva-vidas. E jogo todo o ar dos meus pulmões pra você. Te empresto canga à fazê-lo secar. Subo no coqueiro se quiser água de côco. Páro o trânsito pra você passar. Grito o moço do Mate. Da skol. Mando o cara do "abacaxi" calar a boca bem alto. Subo no palco e pego no microfone. Mando São Pedro parar a chuva. Fico aqui até o dia clarear. Solto fogos de artifício. Não deixo o samba parar.
O garoto deixou a altinha, entrou no mar, saiu molhado sem pedir canga. Sambou pouquinho. Não quis mate, nem skol, nem água de côco. Não se afogou, não choveu. Não precisei subir no palco. Nem mandar o cara do "abacaxi" calar a boca. O samba não parou. Parou foi o trânsito pra chamar um taxi. Quanto aos fogos de artíficio... perguntem ao porteiro do prédio e até quem sabe ao entregador de pizza.

Festival de beleza na praia. No posto 9, o número 1.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O texto "Mundinho Moderno" foi publicado na revista You Mag do queridíssimo Fábio Bolognani.
A revista é trimestral e está no eixo Minas-São Paulo. Aguardem as próximas edições.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009


Festa de casamento

Casamento é bom quando não se espera quase nada da vida. Quando todas as possibilidades já se esgotaram ou quando você não pode perder de jeito nenhum a oportunidade! 
O casamento é muito mais do que noivos apaixonados afim de selarem compromisso, já ouvi dizer.
Casamento é mais do que lindas fotos molduradas. Mais do que mulheres grávidas de 3 meses tentando disfarçar barriga por debaixo do vestido. Mais do noivas empolgadas com a festa a escolher o vestido perfeito. 

O casamento é o suicídio do namoro que está dando certo. Casar é muito mais do que uma lista de 300 convidados.
Casar envolve tanta gente que é por isso que as pessoas se casam. Porque você nunca quer casar sozinha. Nem ficar com a impressão de que está casando com uma pessoa só.
Quando você se casa, está casando também com  o cabeleireiro. Com a manicure. Com a florista, a designer de jóais, a costureira. Casa-se com a cerimonialista, com o buffet completo. Casa-se com o padre que fez a cerimônia. Com a família do noivo, com o carro dele, os amigos e a família. Casa-se com o apartamento comprado, alugado ou emprestado. Casa-se com o trabalho  e com a trabalheira toda que isso dá.
Casamento é uma instituição que não devolve o seu investimento. Não cobre ansiedade, seguro de vida, as possíveis traições futuras, ligações indesejadas e empregadas assanhadas. É uma instituição que está pouco se lixando se você engorda ou emagrece. Engravida ou não e se vai ou não ser feliz com a empreitada.

O dia do casamento, é a novela mexicana que deu certo no Equador.
Vão ter que dizer sim de qualquer jeito...
Ai vem a festa. Wisky não pode faltar, champagne nem pensar. Black , Red ou Green? Champagne barata, dá ressaca no dia seguinte. E o cardápio é evidente que não atende a todos os gostos.
Vai haver sempre o murmúrio de que uma coisa estava boa e outra nem tanto. Fora o dj, ou a banda, ou o violinista, pianista -tecladista que devem ser impecáveis . A noiva, não come. Mal bebe e quando bebe não curte a noite de núpcias. Passa a noite toda com o rosto melado pelos beijos de convidados eufóricos, a ouvir tudo o que todas as outras noivas já ouviram. Com dor no pé, não senta. Sua obrigação é dançar e ficar sorridente. Se ficar bêbada, sai feia nas fotos. Se sentar pra comer, “tá morrendo de fome”. Se deixar de cumprimentar alguém é mal-educada. Se não dançar, não está contente!
Se não estiver sempre perto do noivo, já estão começando mal. Se não tira fotos com todos, ta fazendo pouco caso. Se a festa não tem tudo a que se tem direito, não tinham dinheiro pra gastar. E se a festa toda não está em pé, com o copo na mão, a festa não foi animada.
As chances de fazer um bom casamento, está diretamente ligada à qualidade dos convidados versus o padrão de vida que cada um leva. E não ao padrão de vida, que os noivo têm.
Os que já casaram vão comparar as festas deles com a sua. E os que ainda vão casar estão tirando ideias. E tem ainda os que ficam putos porque não puderam levar as crianças, fora os que não foram convidados. Vovós e titias, provavelmente dirão que a música estava alta demais.
Tem ainda, os que querem saber da Lua-de-mel e se já compraram apartamento.
Os casais realmente transam quando chegam no quarto?
Será que a certeza de que isso "terá de acontecer", já não tira a naturalidade da ocasião?
E a palavra Obrigação, além de ter uma conotação muito chata, vai fazer parte da sua vida de casado, meu amigo, para o resto da sua vida!
Casar é uma Cilada porque mesmo tendo feito de tudo pra dar certo, se der errado, você ainda paga as contas.
Pense na frase mais cliche de todas e repita comigo bem alto pra todo mundo ouvir:
Eu... prometo amar-te e respeitar-te, e prometo ser fiel.. na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... por todos os dias da minha vida! Mas diga isso emocionada, com vontade, sentindo na pele cada palavra emitida (e não seja hipócrita)

Porque as pessoas não podem simplesmente dizer o que sentem umas pras outras todos os dias e morarem cada um em suas casas e se encontrarem quantas vezes na semana quiserem e dormirem juntas quando estiverem dispostas?

Casar é ser amor constante, sem contratos e convenções, sem que sejamos engolidos pelas regras da sociedade. É estar casada em primeiríssimo lugar, com você mesmo. E comemorar toda semana. 

terça-feira, 6 de outubro de 2009



Cada coisa esta sendo influenciada, ou influenciando.

Professora Carmem,

Lembra aquele dia em que lhe pedi para conversarmos depois da aula?
Preciso te contar o que aconteceu comigo, depois disso.
Só para recapitular, você me concedeu o seu tempo e quando lhe perguntei se podia dar-me um conselho, você disse que conselho, não. Então concertei a palavra substituindo-a por opinião.
Depois deste dia, comecei a olhar para a senhora com outros olhos. A sua opinião foi tão significante pra mim que mudou também, a minha.
Durante suas aulas, procuro ficar em silêncio com os meus pensamentos que é pra absorver melhor o conteúdo. Assim, suas palavras entram limpas na minha organização.
É difícil refletir antes de entender. Alias, refletinho entendo.
E voltando àquela conversa, fiquei pensando e procurando entender, porque as pessoas precisam de reconhecimento e porque dizem tanto a palavra EU. Seja numa conversa tola, ou com as “políticas” que fazem. Você me fez enxergar. Apesar de que continuo achando muito difícil dialogar sem o uso constante da palavra EU. Mas já estou conseguindo terminar uma tarefa sem a espera de um reconhecimento.
Como lhe contei, sobre aquela pessoa mais velha com quem eu estava tendo dificuldades, pude mesmo constatar que ele estava dando um jeito de pertencer demais à minha vida. Roubar meus pensamentos pra ele. Existe isso, professora? Alguém que roube pensamentos? Queria que eu ficasse dependente demais dele. Esquecendo da minha da minha vida. Das minhas coisas. Lembrei então, de várias outras situações em minha casa. Com meus amigos. Em que não somente eu, mas essas pessoas também estavam o tempo todo dizendo “Eu isso, Eu aquilo”. Porque não paravam de usar a palavra Eu? Senti uma sugação estranha. E a vontade de me afastar.
Mas o que mais gostei mesmo professora, é que me flagrei pensando nisso. Me vi voltando às ocasiões em que deixei de elogiar alguém, porque queria era que Me elogiassem. E deixei de escutar uma frase dita por inteiro porque queria logo começar a minha e desviar a atenção do outro para mim.
E comei a sentir que eu andava muito nessa onda de EU pra todo lado. Percebi que nas rodas que freqüento, quando a atenção maior está voltada à outra pessoa, tento contra-argumentar, ou falar num tom mais alto, pra que os olhares se voltem à mim. Mas também percebi que quando eu fazia isso, eu tinha que ter um argumento muito mais forte do que o do outro. Eu tinha que entender sobre o que eles falavam. E nem sempre o que eu tinha a dizer, era tão importante. Passei então, a ler. Ler e ler. Em meio aos novos diálogos, concluí que me notavam não só porque tenho um belo rosto, mas porque sou capaz de dizer coisas inteligentes e construtivas. Quero que escutem o que tenho a dizer. Agora sim quero isso. Pois eu antes achava que pra ser apresentadora bastava ser bonita.
Você não está aqui, professora, afim de treinar pessoas para concursos de beleza.
Parece tolice e um pouco de inocência, lhe dizer essas coisas. Me sinto uma boboca, pois sei que tem o dobro do meu conhecimento e idade.
Experiência tem a ver com idade, professora?
Se tiver, estou ferrada. Só tenho 18 anos.
Sabe, eu me importo com o comportamento humano. E agora, fico observando as pessoas o tempo todo. E prestando atenção em quantas vezes uma pessoa fala a palavra EU.
É importante saber dos outros mas também nem tanto.
Ainda estou falando muito de mim como pode perceber... mas é porque não quero ficar fugindo de mim mesma, senão como irei me encontrar? Você tem essa resposta, professora?
Espero que haja mais interação na sala. A geração de vocês me impressiona. Pois a minha, está voltada ao consumismo, namoricos e o telefone tocando a toda hora. Entrei na faculdade para adquirir conhecimento. Mas sei que somos influenciados pelo externo o tempo inteiro, inclusive por você. Será que estou lhe incitando muita responsabilidade?
Do contrário, imagino que não teria escolhido esta profissão. E também não lhe daria tal importância se achasse que não a tem.
Sua aluna número 23 da turma A – Jornalismo.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009


Contos memórias e contos memoráveis.

Quintal
Isa e Suzana tinham os galhos preferidos. Toda tarde depois da escola na casa de vó Lourdes. Tomavam e comiam café com leite e pão francês com queijo branco no forninho, especialmente preparados para elas. Depois, iam direto pra árvore.

As 17:00. Exatamente as 17:00 e sempre as 17:00, Ana que morava com vó Lourdes saía de seu quarto pro quintal com a vassoura nas mãos correndo atrás das meninas. Ambas corriam para a mangueira e dé lá, só desciam ao escurecer. E Ana sabia disso. De cima a vista era boa: Ana falando sozinha a colocar roupas no varal. Trocava o saco de lixo, cortava as rosas do canteiro com a faca e vez e outra, olhava com esforço para as duas no topo do galho mais alto. Certa vez, Ana falou tanto, disse tanto que quanto mais retrucavam mais mangas caíam. Vinha com a vassoura e limpava os ciscos. Ainda crianças, as meninas não entendiam onde Ana queria chegar. O quintal não era dela. Nem mesmo a árvore, ou as frutas. Ana tinha seu quarto e nunca abria a janela. Estava sempre com a mesma roupa e varria com a mesma vassoura. Não tinha dentes na boca e nunca souberam sua verdadeira idade. Avô Hélio, chegava da rua com os bolsos cheio de dinheiro e lá da porta da cozinha gritava para as meninas: - Quem quer tomar sorvete? Mostrando as notas.
Mas nem o sol, nem o calor, nem sorvetes muito menos o medo que tinham de Ana, tiravam as duas da árvore. Ana via Hélio e por segundos, ficava calada. Em seguida voltava a falar sozinha sem parar. As meninas só foram compreender que Ana não falava nada com nada, no dia em que uma manga caiu em sua cabeça.
No susto, chegou a falar um pouco mais alto. Mas ainda assim não sabiam o que ela dizia. Apontou o dedo, como se fizesse uma ameaça. As meninas gargalhavam. Neste dia, vó Lourdes não estava em casa. Estavam sozinhas na presença de Ana que desolada, entrou para o quarto. Escurecia. Isa e Suzana não tiraram o olho da janela do quarto de Ana, que não ascendia a luz. Com medo, desceram da árvore. Quase chegando ao solo, a porta do quarto de ana, de frente para a árvore, se abriu. As duas correram como se aquela fosse a gincana de suas vidas. Entrando cozinha afora. A porta da cozinha da casa de Lourdes, é daquelas que tem grade e vidro. Trancaram-se abrindo o vidro afim de ver Ana vindo em direção. Com a vassoura nas mãos, Ana retrucava. Foi aí que as meninas puderam ver de perto a perna de Ana, que só usava saia comprida. Falava e falava levantando a saia, mostrando às meninas um ferimento aberto. Apontava para a ferida e reclamava. Aos berros, fecharam o vidro com tudo, tremendo de pavor. Vô Hélio apareceu tranquilizando. Com o bolso cheio de balas deu três pra cada uma levando-as dali.
Tempos depois, já crescidas, ao visitar vó Lourdes, procuravam manter certa distância daquela senhora que metia-lhes horror. E já não subiam mais na mangueira. Mas Ana não. Guardou suas faces. Ela que nunca, jamais deixou que ninguém entrasse em seu quarto, ao ver Isa puxou-a pelas mãos levando-a até o quartinho. Falando e falando. Desesperada Isa sem nada entender, foi rastejando. Ana tira um molho de chaves do bolso do avental e destranca a porta. O cheiro que bateu era insuportável. No escuro Ana não pôde ver como era o misterioso quarto. Viu apenas a sombra de uma cama. Ana pegou uma foto por debaixo de roupas mostrando-a para Isa. Era a foto de uma moça jovem que Isa desconhecia. Ana falava e falava. Isa não entendia absolutamente uma palavra do que ela dizia, já querendo sair pedinho aos céus que alguém a salvasse. Consigo mesma pensava: "que língua ela fala... Como vovó pôde durante anos deixar que Ana morasse aqui, sem nunca ter sido compreendida".

Saiu dali afoita. Saiu do quintal e ficou perto da mãe. Às vezes, Lourdes chegava com uns pacotes de fraldas. Dizia que era para Ana. E Hélio com salgadinhos. Entregava para Ana já cortados em pedaços pequenos.

Conta vó Lourdes que Ana não tinha ninguém. E que já mais velha por piedade e solidariedade deixou que viesse morar no quartinho do quintal de sua casa. Até que um dia, resolveu entregá-la a casa de repouso. Indo visitá-la de tempos em tempos. Mas Ana já não a reconhecia e mal falava. Em uma de suas visitas, apenas entregou à ela uma medalinha de nossa senhora das medalhas. Vó Lourdes conta que foi triste. Anos depois, já haviam esquecido de Ana e aconteceu de vô Hélio falecer. Curiosamente, no mesmo dia, no mesmo horário do enterro, no velório municipal, lá estava o corpo de Ana. E apenas duas senhoras velavam seu corpo. Vó Lourdes conta as senhoras eram da casa de repouso. Isa entrou para ver mas Suzana não.Ao se aproximar de uma das senhoras que ali velavam o corpo, uma delas segurava uma foto nas mãos. Isa pendurou-se pra ver. Era a mesma foto que Ana mostrara à ela.

Na casa de Lourdes ainda está lá, o quartinho, a vassoura e a bacia onde Ana lavava os pés.
Na árvore, mangas. Em época de mangas. Mas nunca como na época em que Hélio era vivo e as meninas, crianças.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Queria tanto que perdeu a graça.

A bandeja verde na cozinha. O copo de suco de laranja, o sanduíche de pasta de ovo, o mamão papaya e o yakult. Ajeitou direitinho. No caminho pro quarto a breve espiada na veuve cliquot intácta. No entanto as bolinhas da outra garrafa já tinham subido na noite anterior. Chutando a "vestimenta" calvin klein dele, entrou com tudo no quarto. Daquele jeito de quem posiciona o cotovelo na fechadura com as mãos já ocupadas. Ele dorme. O sono que pediu a deus, em sua cama deliciosamente macia. Tanto tempo por ela mesma. 10:00 no relógio e nada. Resolveu tossir. Nada. Fungou. Nada. Suspirou. Nada também. Deixou a bandeja no criado mudo. Saiu do quarto. Ligou pra amiga e pediu que ela ligasse de volta. Voltou ao quarto, deixou o celular perto da bandeja. Tocou. Alto. Opa, ele se mexeu. Conversou então com a amiga em alto e bom tom. Tratando de falar nada com nada caso ele ouvisse. E nada. Desligou. Pensou mais um pouco na vida. Tomou um livro nas mãos. Leu 3 páginas. Tirou a camisola, afundou-se na cama.
Encostou seu corpo no dele. Encaixou como se fizesse a conchinha mal-feita. Era bem menor que ele. Tentou pegar no sono. Não conseguiu. A cabeça doía um pouco. 11:00 o telefone fixo tocou. Não quis levantar. Ele dorme. Ainda dorme o sono que pediu, dessa vez, aos anjos.
Teve sede. Tomou um gole do suco. Mais sede, virou o copo de suco.
Remexeu mais um pouco. Teve fome. Comeu o sanduíche. Pensou imediatamente em escovar os dentes, dessa vez pra tirar o gosto de pasta de ovo. Tomou por cima o yakult. Mais 15 minutos e nada. Levantou. Foi para o banho. Demorou cerca de meia hora. Calmamente, abriu a porta do quarto pra não fazer barulho, dessa vez estava decidida a trocar-se e sair deixando um bilhete.
A cama estava vazia. Paralisou-se. Que diabos de meia hora foi essa.
Pegou o celular. Indignou-se. Ia ligar novamente pra amiga. No visor a mensagem: Há tempos não dormia o sono que pedia a deus. Peço aos anjos que aconteça de novo. A propósito comi seu mamão papaya.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009




"Feliz aquele que sente o cheiro do perfume que perdeu "

Frase citada por Miguel Fallabella.

Tem gente que tem cara de quem sabe o cheiro que tem.
É coisa de quem sabe.
Expreme até a última gota do momento e sai dele porque, bem... caminhar é preciso.
Pessoas saem da vida da gente, ou nós é que nos retiramos da vida das pessoas?
De toda forma, você tem de fazer o mínimo triunfal atingir sua maioridade.

Sem essa de olhar para os lados à espera de um siga em frente pra tocar com o dedo o que você transforma em ouro. Em outras palavras, entenda que você é o ouro e entenda que o dar certo, dá certo.
E não precisa pegar o pior quarto quando não houver vaga na suíte imperial.
Tô falando de não se contentar com pouco. Tô no nível das dificuldades que enfrentamos.
De ter que colher trigo pra saborear aveias.

De olhar pra uma coisa dez vezes e acertar o alvo, ao menos, uma.
E entender que as dez foram necessárias pra que essa uma, tenha sido constatada, bem antes de ser acertada.
As coisas já chegam destiladas demais para as nossas mãos. Já não nos damos mais ao trabalho de verificar puramente com os nossos faros, as essências.

Enquanto devíamos é sacar que a temos, inteiramente.
Procurando exalar seu cheiro único.
Dentro da gente cabe tanta coisa. Dentro da gente cabe tanta gente. Miscelânia de odores.
E se não estamos ensimesmados, estamos tomados pelo outro. E quem fica com a melhor parte?
A melhor parte é aquela parte que cabe inteiramente nos vãos. Não sobra nem fica estreita.
Nos dá condições de entender as arestas, partes do coletivo que nos rodeia.

À medida que farejamos mais descobrimos reais porções de nós mesmos no todo que somos. Podendo alimentar pouco a pouco os que sentem fome da gente. Não falta gente como a gente e também, diferente da gente, afim de digerir o mundo junto da gente. Porque essa gente, sente a mesma totalidade que a gente sente, querendo entrar no mundo que é o seu modo de ser gente.
À medida que experimentamos mais, queremos mais experimentar. Pois o nosso entendimento entende que ainda não nos é o suficiente.

Em nosso todo, um imenso mundo ocupa um mundo imenso.
Por isso sentimos vontade de nos levar aos outros. Por isso queremos ver o outros sendo trazidos para nós.
Por isso construímos laços, pontes, pontos em comum e nos vinculamos. Para que eles possam ser desfeitos e logo após, reconstruídos.

É o que nos leva a transitar pelo deserto e encontrar água porque a sede chega e o cansaço também.
E é o que nos leva a reconhecer no todo daquele que caminha, o todo que com ele caminha.
Pois esse sabe, de que perfume estou falando.

" A gente quando jovem coloca uma mochila nas costas e vai jogando as coisas fora pra que ela fique mais leve na hora de subir os degraus. Não adianta nada porque depois, você tem que voltar pra juntar as coisas que ficaram pelo caminho".